UM PRESIDENTE (DE)MENTE…

A Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) pede “urgência” na realização de eleições autárquicas em Angola, considerando que o modelo de divisão administrativa se tem revelado “pouco eficaz” em quase 50 anos de independência. Rota de colisão com quem desgoverna o país (o MPLA) desde 1975? Estratégia para estarem de bem com o “Diabo” (a UNITA) e com “Deus” (o MPLA)?

O porta-voz da CEAST, Belmiro Chissengueti, diz: “As autárquicas são, sim, uma urgência, é verdade que foi já aprovada na generalidade a proposta de lei sobre a Divisão Política e Administrativa (DPA), entretanto temos este procedimento há quase 50 anos, começamos com 17, 18 províncias e agora serão 20″.

O bispo angolano, que falava em conferência de imprensa de balanço da primeira plenária anual da CEAST, em Malanje, referiu que embora o desejo seja levar os serviços próximos aos cidadãos, o modelo de divisão administrativa tem-se revelado pouco eficaz.

“A verdade é que este modelo se tem revelado pouco eficaz, sobretudo porque obedece à disciplina político partidária e não dá aos cidadãos a possibilidade de escolherem os seus representantes e a possibilidade de retirá-los por meio de eleição quando não realizam o que prometeram”, respondeu o bispo católico aos jornalistas.

Para o também bispo de Cabinda, norte de Angola, o modelo autárquico dá maior responsabilidade ao autarca do que uma simples divisão administrativa, cuja gestão é feita por nomeação.

“Portanto, entre a DPA e as autárquicas julgamos que as autárquicas são muito mais urgentes, pois permitiriam uma administração de maior proximidade e de maior responsabilização”, concluiu o porta-voz da CEAST.

O parlamento angolano aprovou na generalidade a proposta de lei da DPA, diploma legal que cria mais duas províncias (totalizando 20) e 162 novos municípios (totalizando 325), cuja vigência está prevista para 2025. A lei foi aprovada apesar das críticas da oposição, que defende a concretização das autárquicas, cuja lei de institucionalização está por aprovar.

ASSANHADAMENTE CONTRA AS AUTARQUIAS

O Presidente da República, ao anunciar no estrangeiro, Dakar-Senegal, de forma discricionária as eleições autárquicas, sem consulta os parceiros internos deixou um sinal claro de ser adepto ferrenho da intolerância, arrogância e desrespeito, inclusive, mostrando não ser um político, guardião da própria palavra. Recordam-se?

Vamos aos factos:

a) Em 2018, João Lourenço notificou o Conselho da República para comunicar aos conselheiros que as eleições autárquicas seriam em 2020;

b) O Jornal de Angola (do MPLA), titulou no 23 de Março de 2018, em texto assinado por João Dias: AUTARQUIAS EM 2020;

c) Em 28 de Abril de 2018, demonstrando ter toda a lição estudada e organizada, Adão de Almeida disse: “As próximas eleições autárquicas previstas para o ano de 2020 no país serão a maior reforma do aparelho da administração pública após a independência”. Adão de Almeida o então ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, actual ministro de Estado e chefe da Casa Civil da Presidência da República.

d) No 28 de Junho de 2018, o professor universitário da Faculdade de Direito, Carlos Teixeira, numa aula magna, na Faculdade José Eduardo dos Santos, no Huambo, sob o lema a “Institucionalização das Eleições Autárquicas” sugeriu que “a implementação das autarquias em Angola, a partir de 2020, deveria basear-se num modelo assente na realidade histórica e antropológica dos angolanos, evitando, assim, imitações de países com realidades diferentes”.

e) No plano partidário, numa demonstração de o seu líder não ser mentiroso, nem andar nos trilhos, assanhadamente, em 17 de Maio de 2019, o coordenador do grupo de acompanhamento do Bureau Político do MPLA na província do Cunene, Pedro Neto, disse em Ondjiva, “que as eleições autárquicas de 2020, são para vencer, mas para tal exige espírito de sacrifício e seriedade em todas as tarefas do programa do partido”.

f) Aos 23 de Julho de 2020, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, considerou “cedo falar-se em adiamento das primeiras eleições autárquicas, previstas para 2020, até porque a Assembleia já aprovou várias leis que conformam o pacote legislativo autárquico, faltando apenas uma”.

g) No dia 26 de Outubro de 2022, o Presidente da República confrontado com a promessa não cumprida, da realização, em 2020, das eleições autárquicas, disse, não fosse variar, a uma emissora estrangeira, que não seriam em 2023, mas: “quando houver condições. Como sabe o pacote legislativo autárquico não está terminado. Enquanto isso não posso assanhadamente – se me permite a expressão – convocar eleições”.

Depois dos dados acima, quem mente, quem é demente? Quem é o mentiroso de pai e mãe? Quem é o assanhado contra a realização das eleições autárquicas? Porque é que um problema tão sensível, não foi primeiro tratado com os partidos com assento parlamentar; com o Conselho da República; com o próprio MPLA, antes de o fazer no estrangeiro? A responsabilidade presidencial impunha. Se fosse um presidente sério e intelectualmente honesto.

Banalizar as instituições e as eleições autárquicas, aguardadas desde 1975, conjugá-las na terceira pessoa do plural, no futuro indefinido é de uma gravidade sem precedentes.

A fala de um Presidente da República, no estrangeiro, deve ser despida de emoção, para não passar a imagem do que facto é a realidade, ou seja de claro desrespeito pelos órgãos de soberania do Estado; partidários e a sua própria condição. De 2018, 2019, 2020 as promessas emergiram, sem nunca terem sido cumpridas. Em 2022, para não variar, afastou assanhadamente a realização em 2023.

A falta de humildade democrática e a arrogância constituem os maiores defeitos de João Lourenço. Nunca um democrata e conciliador faria, no exterior, revelações, a um órgão de comunicação estrangeira, de tamanha relevância.

Ingénuos todos quantos acreditam não serem, como as fraldas descartáveis, os políticos do regime. Eles não estão, no poder, para servir, mas para se servirem, escancarando aos seus os cofres públicos. As garantias não sendo palavra de honra, devem ser honra de palavra, para não constituírem crime não só de responsabilidade, mas, também, de burla político-eleitoral, passível de procedimentos cabíveis a nível da Constituição e da Lei.

A realização de eleições nos municípios, seriam, indubitavelmente, a criação de zonas tampão, capazes de frear a batota generalizada, através de órgãos democraticamente eleitos pelas populações locais, nas diferentes circunscrições administrativas do país.

As autarquias condicionariam o sequestro eleitoral doloso da CNE (Comissão Nacional Eleitoral), sucursal servil e canina do MPLA e incompetente, acusada de, pela lei da batota, ter cometido crimes eleitorais e criminais gritantes, ao ponto de ter tido pânico da confrontação das Actas-síntese…

Este simples procedimento afastaria as suspeições de o MPLA ter ou não sofrido uma estrondosa derrota, através do voto livre do eleitor e da UNITA/Adalberto da Costa Júnior ser a legítima vencedora das eleições de 24 de Agosto de 2022, mas não estar a governar, nem a presidir ao país, face o império da força.

A não implantação das autarquias deve-se à maldade política do MPLA, que escreve e fala para inglês ver, mas não consegue, depois implantar o dito, quando desde 1975 tem, na Lei Constitucional (aprovada exclusivamente, pelo seu comité central), as autarquias locais, consagradas no art.º 51.º: “ As autarquias locais têm personalidade jurídica e gozam de autonomia administrativa e financeira”, igualmente, na Lei 23/92 de 16 de Setembro, no art.º 145.º: “A organização do Estado a nível local compreende a existência de autarquias locais e de órgãos administrativos locais”, blindado pelos artigos seguintes (146.º, 147.º), logo, sabe do assunto, mais do que os demais partidos políticos.

Como se pode verificar, os constantes adiamentos fazem parte do império da má-fé, ditadura, cleptocracia, sequestro dos órgãos de soberania, medo de perder a hegemonia, enfim, são uma clara e inequívoca fraude.

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